Análise | 'Pantera Negra: Wakanda para Sempre': Muito mais que apenas uma homenagem

No novo filme, a Marvel nos leva à cura de um luto dolorido, sem abrir mão dos seus novos personagens em uma boa trama geopolítica

Longa que encerra a Fase 4 do MCU já está em cartaz nos cinemas. Foto: Reprodução/Twitter.
Longa que encerra a Fase 4 do MCU já está em cartaz nos cinemas. Foto: Reprodução/Twitter.
Carol Souza
Por Carol Souza

ATENÇÃO! ESTA ANÁLISE CONTÉM SPOILERS!

Agosto de 2020 foi um mês particularmente difícil para os fãs de Marvel pois foi neste mês que infelizmente perdemos nosso Pantera Negra original, o ator Chadwick Boseman, após uma silenciosa luta contra um câncer de cólon. E por mais que saibamos que Boseman seria insubstituível no papel do protetor de Wakanda - tanto quanto Robert Downey Jr. e Chris Evans como Homem de Ferro e Capitão América, respectivamente - ainda haviam dúvidas sobre a passagem do manto de Pantera à frente já que o diretor Ryan Coogler juntamente com o estúdio decidiu por não reescalar um ator para o personagem e sim, recriar na ficção a dor que sofremos na realidade. E é deste ponto que partimos em "Pantera Negra: Wakanda para Sempre".

Já no início do longa, é difícil conter a emoção quando logo após nos mostrar o desespero da Rainha Ramonda e da Princesa Shuri, interpretadas por Angela Bassett e Letitia Wright, no exato momento em que perdem seu filho e irmão, o Rei T'Challa, a Marvel faz o seu "minuto de silêncio" durante a montagem do logo de introdução, trazendo imagens de Boseman como Pantera em suas várias participações no MCU. O momento é bastante marcante e nos indica qual será o tom da produção, que apesar de introduzir novos personagens e trazer participações inesperadas, equilibra de forma bastante equivalente o processo de cura pelo qual personagens e nós, espectadores, teremos que passar, e a empolgação toda vez que surge um personagem já conhecido de outras produções em tela - e não, não estamos falando de nenhum Vingador.

Este filme celebra a vida de T'Challa e de Boseman, mantendo sua presença sempre muito aparente do início ao fim. Além de homenageá-lo em uma belíssima cerimônia em seu funeral, sua influência na vida das mulheres de Wakanda é um dos pontos centrais da trama e a cena pós-credito - única - deixa claro que Boseman e T'Challa serão para sempre lembrados.

E falando sobre as mulheres de Wakanda, é impossível deixar de citar que esta é mais uma produção do estúdio que eleva as personagens femininas, mostrando-as em posições de poder, colocando-as como protagonistas e não como "mocinhas indefesas" afinal, Rainha Ramonda é, como ela mesma se descreve, "a rainha da nação mais poderosa do mundo", título este que acabará recaindo de forma trágica sobre Shuri, que amadurece de forma impressionante ao longo da trama a ponto de deixar de ser vista como apenas uma "criança" até por quem somente a via desta forma.

Angela Bassett está simplesmente deslumbrante em sua atuação! Na pele da Rainha Ramonda, a atriz invade a tela e tem tudo das nossas atenções a cada aparição. Em uma cena específica, Bassett mostra toda a sua potência ao nos entregar uma Rainha que perdeu sua família e suportou imensas dores, mas segue como a soberana de sua nação, a voz cujo povo deve ouvir e respeitar. Seus momentos de ternura são potencializados em seu último ato como Rainha - sim, último -, em que dá sua vida por aqueles a quem deve proteger.

Agora falando sobre aparições, quem imaginaria que "O Falcão e o Soldado Invernal", a série da Marvel para o Disney+, respingaria em "Wakanda para Sempre"? Pois isso é exatamente o que acontece ao vermos a Condessa Valentina Allegra de la Fontaine de Julia Louis-Dreyfus surgindo na trama como a ex-esposa de... Everett Ross, personagem de Martin Freeman!! Ambos aparecem pouco, verdade seja dita, entretanto, suas participações servem à sub-trama geopolítica do longa, onde Wakanda sofre um ataque de mercenários que, após a morte de T'Challa, buscam invadir a nação em busca do vibranium que até aqui, achávamos só poder ser encontrado em solo wakandano.

E é aí que somos surpreendidos pelo "vilão" deste filme, o Namor de Tenoch Huerta, que com sua história e a história de seu povo sendo contada dentro do longa de outro personagem, é muito bem representado, com suas origens latinas sendo expressadas desde toda a estética de seu figurino e as cores utilizadas nos cenários, até à referência ao Tlachtli, uma mistura de basquete com futebol praticada pelos povos que habitavam a Mesoamérica, incluindo os astecas, antes da invasão europeia, que também é retratada aqui afinal, Namor não é apenas um mutante - mais um na Marvel! - como também o deus Kukulkán, a Serpente Emplumada, protetor dos Talokan com séculos de existência.

Acontece que, por séculos vivendo nos oceanos sem serem identificados, os Talokan também são detentores desse poderoso metal que é o vibranium, e isso fica mais do que claro para nós quando, após intimidar Ramonda e Shuri, Namor consegue sequestrar a Princesa de Wakanda e apresenta para ela - e para nós - o seu lar. E para quem pensou "ok, Atlântida/Aquaman vibes", a boa notícia é que não, Talokan em nada se parece com o mundo submerso retratado no longa do DCEU.

Particularmente falando, Talokan se aproxima mais do que um "reino subaquático" real poderia se parecer pois, localizado nas profundezas, não possui uma iluminação tão intensa quanto a que vemos em "Aquaman", ponto esclarecido por Namor em seu "tour" com Shuri pela capital de seu reino quando revela a Princesa que trouxe o "sol" para o seu povo através do vibranium. A cidade na realidade é muito mais parecida com Wakanda do que com Atlântida, e a direção de Coogler faz questão de relacionar diversos momentos do cotidiano dos dois reinos, como o comércio e a vida cotidiana dos cidadãos de ambas as nações.

Entre outras aparições temos a Okoye de Danai Gurira, chefe das forças especiais femininas de Wakanda que nesta produção inicialmente perde um pouco da seriedade e serve como um ponto cômico na trama, mas lembre-se: inicialmente. Após sua missão em campo resultar em uma falha catastrófica que leva ao sequestro de Shuri, a General cai em descrédito perdendo até mesmo seu posto como comandante das Dora Milaje. E por falar no exército feminino mais temido da Marvel, a Cão de Guerra Nakia, de Lupita Nyong'o, uma espiã com, ironicamente, o temperamento mais alegre do filme, também está de volta, e após ser procurada pela Rainha Ramonda para recuperar sua filha, vai crescendo na trama e, tendo vivido o luto por T'Challa longe de Wakanda, está presente em muitas das cenas onde Shuri necessita de um "suporte", trazendo ainda a maior surpresa de todo o filme no pós-crédito, o filho de T'Challa, herdeiro do trono de Wakanda.

Uma das poucas falhas de "Wakanda para Sempre" talvez tenha sido a pouquíssima participação de Aneka, vivida por Michaela Coel. Quando a atriz de "I May Destroy You" foi escalada, esperava-se uma maior participação de seu personagem em tela e dolorosamente, não é o que acontece, e suas já poucas cenas são genéricas a ponto de, se cortadas, não afetarem em nada o andamento da trama. 

Já Dominique Thorne e sua Riri Williams se encaixa perfeitamente em Wakanda. Prestes a ganhar sua série própria no Disney+, a estudante prodígio do MIT de 19 anos vê toda uma nação, representada na figura de sua realeza, se mover para abraçá-la e mais do que isso, protegê-la com sua vida, e quando chegada a hora, sabe retribuir de forma belíssima. Sua origem não fica bem clara no longa, mas sabemos que todo o seu passado com seu pai, sua jornada como criança e adolescente prodígio e seu envolvimento com a tecnologia devem ser explorados mais afundo na série. Ponto positivo ainda para a referência à Nina Simone feita por Riri ainda no início do filme, onde destaca o verso "to be young, gifted and black, huh?" retirado da canção da diva do R&B.

Por último e não menos importante no quesito "aparições", temos Killmonger de volta!

Michael B. Jordan retorna à Marvel, por um breve, porém bastante decisivo, momento. Após Shuri conseguir finalmente recriar a Erva Coração, destruída por Killmonger, a princesa consegue - a despeito de toda sua falta de fé - atingir o plano ancestral e ao invés de sua mãe, pai ou irmão, quem a recebe é seu primo, que revela que o coração da jovem está com motivações muito mais próximas à dele, ouj seja, vingança, do que às de sua mãe e irmão, que em mais uma homenagem é descrito como o mais nobre entre os Panteras Negra.

A trilha sonora é um show à parte, abraçando o espectador a todo momento. Somos conduzidos emocionalmente através das muitas nuances da trilha, que vai desde os tambores na cerimônia funerária de T'Challa celebrando a vida do Rei e de Chadwick Boseman, até o estalar das chamas de uma fogueira ao final do filme, simbolizando o fim de um ciclo e o começo de outro.

"Pantera Negra: Wakanda para Sempre" é o filme mais emotivo - sem dizer corajoso - da Marvel, e encerrando a Fase 4, nos ajuda a lidar com o luto tanto real quanto fictício por Boseman e T'Challa, para dar início a uma nova Fase do MCU com respeito e carinho pelo passado e braços abertos para as novidades que nos aguardam. 

Sobre o autor

Carol Souza
Carol SouzaAmante do cinema, dos livros e apaixonadíssima pelo bom e velho rock n'roll. Amo escrever e escrevo sobre o que amo. Ativista da causa feminista e bebedora de café profissional. Instagram: @barbooosa.carol
Fale com o autor: [email protected]
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